Ontem, entre as 15.45 h e as 20 h, o principal canal da televisão do Estado transmitiu em directo a Procissão da Luz, que movimentou, ao que se diz, cerca de 300 mil pessoas.
Uma força de 350 polícias fechou ao trânsito durante toda a tarde o principal eixo viário da cidade, do Campo Pequeno aos Restauradores, e assegurou a ordem, detendo e revistando pessoas que transportavam volumes considerados suspeitos.
A procissão, uma iniciativa do Congresso Internacional para a Nova Evangelização, era aberta, numa impressionante manifestação de laicidade, por um destacamento da Guarda Nacional Republicana montada a cavalo. Seguiam-se os bombeiros, os bispos e uma luzida representação das forças vivas da cidade, encabeçada pelo sorridente Presidente da Câmara, Carmona Rodrigues.
A fechar, essa infindável multidão de gente que, embora não tenha fé bastante para ir à missa, alinha de bom-grado numa manifestação de rua a favor não se sabe bem de quê.
A hierarquia da Igreja Católica, hoje maioritariamente composta por gente que se declara dialogante e aberta ao mundo moderno, não parece consciente dos perigos que imponentes mobilizações como esta encerram. Cega pelo orgulho decorrente do êxito mediático da procissão, recusa-se a entender que a perversa associação entre os poderes religiosos e temporais ontem exibida forçosamente desencadeará reacções defensivas por parte dos defensores do Estado laico.
Nós sabemos que estas coisas se passam todos os dias no Portugal profundo, onde a separação das diversas ordens do poder sempre permaneceu letra morta. Mas alardear publicamente na capital esta doentia promiscuidade de que há séculos o nosso país padece nem honra a Igreja nem nos deixa tranquilos.
Depois, não se queixem de anti-clericalismo.